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Opinião Distópica e YA: "Alvorada Vermelha" de Pierce Brown

julho 15, 2016 Inês Santos 0 Comments



- Cuidado Spoilers

Alvorada Vermelha não é nada do que se espera quando somos apresentados à sua capa e à sua sinopse. Para mim, os primeiros cinco capítulos são algo sem sal e são lidos muito lentamente, principalmente porque há o uso de expressões muito borgesas (?) principalmente no caso do protagonista masculino, Darrow, e grandes discursos da parte da sua mulher Eo.
Entretanto passei do papel para o ecrã e com isso comecei a ler numa versão pt-br onde de certa forma essas expressões, que tanta impressão me fizeram, desaparecem e foram substituídas por outras mais suaves e mais naturais para este tipo de história. Não digo o mesmo para o tipo de personagens porque o autor quer-nos apresentar personagens mais rústicas e menos civilizadas que apenas vivem em ambiente familiar e de trabalho. Também têm momentos de lazer, mas é uma população mais reprimida e com pouca liberdade de expressão.
É aqui que começamos também a aperceber-nos das semelhanças com a obra de Suzanne Collins, os Jogos da Fome. Já somos avisados na capa e fui avisada por quem me emprestou o livro em papel, e por isso estamos desde o inicio à procura desses pontos em comum. A questão, para mim, é que algumas semelhanças poderão dar-nos a certeza de que vamos gostar da leitura, mas quando estas são demais apenas leio uma nova versão do que já li e não uma história diferente e que me vai cativar do inicio ao fim, que me vai viciar e me manter acordada durante a madrugada.
Nestes primeiros capítulos é isso mesmo que acontece. Só vemos semelhanças pois existem castas que aqui têm cores e são mais, temos a hierarquia e a opressão por castas mais altas e mais coloridas, vestidas de forma mais excêntrica e rodeados de abundância. A única diferença é que o nosso protagonista é homem, mas muito jovem, já é casado e fica viúvo muito rapidamente. Há também uma conspiração que Pierce Brown nos dá a conhecer mais ou menos no início, mas que é tão óbvia que não me surpreendeu minimamente. Além disso, é maioritariamente uma obra constituída por homens, havendo só uma mulher, Harmony, o que anula aquele factor de empatia que criámos com a guerreira Katniss, que simboliza a força da mulher e que esta pode liderar tanto como os homens. Harmony é parecida, mas aqui está mais escondida e não tão evidente. Só tem mesmo o papel de durona, mas estando num grupo daqueles só poderia ser assim.
Neste caso penso que o papel mais próximo será o de Mustang, que iremos conhecer mais para a frente, sendo o de Eo mais parecido ao de Rue, que tem o papel de mártir e que morre primeiro e acaba por simbolizar a doçura da mulher, mas também as suas convicções, além disso a música que canta antes de morrer vai servir para publicitar a opressão, mas também a revolta - acontecimento parecido a quando Katniss canta no primeiro livro.
Em Alvorada Vermelha, ou Fúria Vermelha na edição brasileira, temos predominantemente descrições, principalmente no inicio onde o autor nos tenta transmitir ao pormenor o que rodeia Darrow à medida que ele vai avançando na história. O resto do texto acaba por ser assim também, mas não só em termos de cenários como em termos de acção e explicações sobre a sociedade que Pierce Brown inventou/imaginou. É portanto uma obra maioritariamente de texto corrido, com poucos diálogos, mas que compensa com as cenas de maior acção e o universo criado. Não digo mundo, pois toda a história abrange várias luas e planetas num futuro possível - é portanto uma distopia.
Ao contrário do que acontece no inicio, a história atravessa um ponto em que o entusiasmo pela leitura aumenta exponencialmente. Isto acontece quando Darrow sofre a sua transformação principalmente física e entra no Instituto. Aqui continuam as semelhanças com a obra de Collins, visto que à semelhança deste, os alunos são colocados em salas ou cenários, correspondentes às arenas, e têm que passar testes em que têm que matar um colega ou conquistar castelos. O problema foi a restante obra passar-se aqui, nesta mini-guerra até ao fim. A acção não varia muito, consistindo em viagens entre os castelos, conquistas ou semi-derrotas. A única mudança é quando no último terço do livro os inspectores começam a intervir de várias formas, mas esta reviravolta acabou por tornar todo o entusiasmo em mordomia já que estas interferências são nítidas e óbvias tentativas do autor de criar barreira atrás de barreira para dar continuidade e mais acção à obra. Pareceu-me algo forçado.
Retrocedendo um pouco, Darrow correspondeu às minhas expectativas quando passou nos testes físicos e cognitivos, mas na questão dos homicídios esperava encontrar um arrependimento maior ou até menos vontade para os seus actos. Aqui o personagem não mata por vontade, mas também não parece muito reticente. Poderia ter motivação já que são Ouros e ele está ali para os derrubar, mas em nenhum momento é tocado esse assunto. Darrow mata porque tem que avançar na corrida e porque tem que ser se quer sobreviver. Entretanto já perdeu as poucas lembranças materiais que tinha da sua esposa e da sua terra o que o torna ainda mais desligado de todas as boas práticas e boas acções que conhecemos no inicio da obra.
Ao longo da obra as semelhanças continuam. Não me quero repetir, mas elas são demasiado óbvias e a minha mente está sempre a fazer comparações e registos destas. Temos desde armas e primeiros socorros espalhados pelas "arenas", temos "ajudas" do inspector de Darrow, temos personagens iguais como Mickey ser igual a Cinna, mas que em vez de costurar faz cirurgias e outras coisas muito mais interessantes. Confesso que esta parte foi a minha preferida, já que aqui sim há algo original e imaginado totalmente por Brown, mas de forma a parecer que já se pode fazer algo assim nos dias de hoje. O Tio Narol corresponde a Haymitch, alcoólico e tudo.
Outro posto positivo, foi a inserção de mais personagens femininas com garra. Infelizmente esse "mais" é muito pequeno até minúsculo, visto que a maior parte delas não é assim tão forte e vai sofrer muito às mãos dos restantes rapazes. Mustang é a única que se safa, mas até esta é atacada, tanto pelos seus pares como pelo próprio autor! Têm que ler para perceber esta parte.
Voltando aos aspectos negativos, na altura da entrada do Instituto e dos testes todos pelo que os alunos passam, ficamos com a impressão de que tudo serve como uma espécie de coador, para apenas passarem os Ouros mais inteligentes, mais fortes, mais tudo. A questão é que há medida que tudo avança e se desenrola eu acabei por ficar com a impressão que a maioria é fraca, tanto de forças como de espírito ou até de convicções e lealdades. Ok, percebo que têm que haver alfas e líderes, e aqui existem, mas os que não os são pareceram-me demasiado secundários para quem passou tantos testes e faz parte da nata da sociedade.
Pensei sinceramente que iria gostar mais do livro, mas quando o terminei senti que faltava ali qualquer coisa, que não senti aquela satisfação final daqueles livros em que queremos muito chegar até ao fim, mas que quando isso acontece ficamos com pena de ter acabado. Aqui não aconteceu e não me posso desculpar com as expectativas altas porque estas são provadas ou eliminadas no inicio ou no meio e não no fim de tantas páginas. Fiquei mesmo com pena, mas de qualquer forma serviu para retomar o ritmo de leitura que não tinha há um ou mais meses e para retomar o gosto pela escrita que não tinha há mais de meio ano.

Citação:
página 350 "Sinto a mão dela nas minhas costas logo abaixo do meu peitoral." - o engraçado é que o peitoral é no peito, não nas costas.

"Alvorada Vermelha" é o primeiro volume de uma trilogia que tem tudo para conquistar a legião de fãs de Os Jogos da Fome. Passa-se numa altura em que a humanidade começou a colonizar outros planetas, como Marte. Darrow é um jovem de 19 anos que pertence à casta mais baixa da Sociedade, os Vermelhos, uma comunidade que vive e trabalha no subsolo marciano com a missão de preparar a superfície do planeta para que futuras gerações de humanos possam lá viver. No entanto, em breve Darrow irá descobrir que ele e os seus companheiros foram enganados pelas castas superiores. Inspirado pelo desejo de justiça, Darrow irá sacrificar tudo para se infiltrar na casta dos Dourados… e aniquilá-los! Vingança, guerra e luta pelo poder num romance de estreia empolgante.

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